terça-feira, 12 de maio de 2009

Texto longo x texto curto

O dia que Textão decidiu mudar
[ Uma estória baseada em fatos reais sobre a polêmica de usar ou não usar, muito ou pouco texto em peças publicitárias ]

Textinho e Textão formavam uma dupla de criação numa agência de publicidade. Mas, apesar do nome diminutivo, quem cantava mais alto no final dos trabalhos era mesmo o Textinho.

Também pudera, o Textão só tinha tamanho e pouca criatividade. Era um chato que todo mundo torcia o nariz. Já o Textinho era um cara popular, a equipe inteira sabia que podia contar com ele a qualquer hora. Quando sobrava um espaço vazio no canto do anúncio, o pessoal gritava: Textinho, vem aqui! Quando era necessário se dizer alguma coisa, qualquer coisa, no folder do cliente, lá ia o Textinho resolver o problema. Uma mão na roda.

Vendo o Textão enciumado, Textinho tentava convencê-lo: "Olha, Textão, você é muito longo! Este é teu problema. Dá até preguiça no consumidor. Seu jeitão all type é antiquado demais, lembra aqueles anúncios do início do século 20" - dizendo isso, dava uns tapinhas nas costas do Textão, que replicava baixinho: "Você está certo, o que conta mesmo numa peça é o visual. Tá certo..." se resignava, com medo de perder o emprego.

No fundo, o Textão sabia que tinha conteúdo e que em certos casos, só sua presença poderia dar conta do recado; sem imagem, nem nada. Mas, apesar do tamanho, faltava coragem para encarar o jogo, passar a bola entre as pernas do adversário e marcar o gol da vitória. Como já dizia o velho deitado: tamanho não é, o resto você já sabe. Às vezes, acontecia da equipe se cansar do velho Textinho e resolver pedir ajuda para o Textão. E quem disse que ele aproveitava a deixa? Terminava fazendo um trabalho tão confuso, que o cliente logo dava preferência ao Textinho: "Pode cortar o Textão!"

Cortado, humilhado, massacrado, Textão decidiu um dia mudar. Estava cansado dessa vida, quando ficou sabendo de outros Textões que estavam botando a boca no mundo. Um deles até radicalizou, dizendo extensamente ao consumidor num anúncio de jornal "Tem gente achando que você é analfabeto, e você nem desconfia"*, argumentando que é possível criar textos inteligentes e nem por isso menos vendedores.

O Textão imediatamente ficou instigado a escrever melhor. Tanto que acabou estimulando outros profissionais a fazerem o mesmo - até o Textinho resolveu usar todo seu poder de sedução para ficar maior, mesmo pequenininho. Moral da estória: cada cliente, cada publicitário, cada Textão e Textinho, enfim souberam que é possível escrever com mais criatividade, ler com menos preguiça e incentivar uma publicidade mais interessante.

* Anúncio da W/Brasil publicado em agosto de 2001, no jornal Valor Econômico, como parte de uma campanha do Clube de Criação de São Paulo.

Rosália do Vale Rosália do Vale é jornalista e redatora publicitária. Saiba mais do seu trabalho através do site http://rosaliadovale.wordpress.com.

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